PGR: Bolsonaro liderou "longa construção criminosa"
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Ao longo das 272 páginas da denúncia apresentada na noite desta terça-feira (18), a PGR elenca fatos, evidências e depoimentos de investigados, como o do ex-ajudante de Ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, e conclui que Bolsonaro e outras 33 pessoas, incluindo ex-ministros e militares de alta patente, agiram para minar a confiança popular no sistema eletrônico de votação e nas instituições democráticas brasileiras.
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“Os fatos narrados ao longo desta peça acusatória não deixam dúvidas de que o cenário de instabilidade social identificado após o resultado das eleições de 2022 foi fruto de uma longa construção da organização criminosa que se dedicou, desde 2021, a incitar a intervenção militar no país e a disseminar, por múltiplos canais, ataques aos poderes constitucionais e a espalhar a falsa narrativa do emprego do sistema eletrônico de votação para prejudicar Jair Bolsonaro”, afirma o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Na denúncia, a PGR afirma que o plano de ruptura da ordem democrática foi colocado em marcha de forma mais acintosa em março de 2021, após o STF anular as condenações criminais de Lula no âmbito da Operação Lava Jato, permitindo que o petista disputasse as eleições do ano seguinte.
“Convém recordar que, a partir de 2021, o presidente [Jair Bolsonaro] adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional nos seus repetidos pronunciamentos públicos em que se mostrava descontente com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor. Poucos dias depois de superada a causa de inelegibilidade [de Lula], o grupo de apoio do então presidente [Bolsonaro], que formará o núcleo da organização criminosa, cogitou de o mesmo, abertamente, passar a afrontar e a desobedecer a decisões do Supremo Tribunal Federal, chegando a criar plano de contingenciamento e fuga de Bolsonaro, se a ousadia não viesse a ser tolerada pelos militares”, afirma Gonet.
A partir daí, segundo a PGR, “a trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas” evolui em diferentes frentes, “desenrolando-se em cadeia de acontecimentos, alguns com mais marcante visibilidade do que outros, sempre articulados ao mesmo objetivo [golpista]”.
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Para a PGR, são provas da participação ativa de Bolsonaro no suposto “plano de insurreição” a transmissão (live) que o presidente fez nas redes sociais, em 29 de julho de 2021, durante a qual ele repetiu acusações já então desmentidas contra o sistema eleitoral, conclamando as Forças Armadas a agirem.
“A partir de então, os pronunciamentos públicos [de Bolsonaro] passaram a progredir em agressividade, com ataques diretos aos poderes constituídos, [de forma a] inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores e com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse”, considera a PGR.
Na mesma linha, a denúncia relembra que, ao participar de um ato em seu apoio, em 7 de Setembro de 2021, em São Paulo, Bolsonaro atacou Alexandre de Moraes, relator do inquérito que investiga o financiamento e organização de atos antidemocráticos, ameaçando não mais cumprir suas decisões. E que, em julho de 2022, o ex-presidente convocou uma reunião ministerial durante a qual “cobrou do alto escalão de seu governo a multiplicação dos ataques às urnas eletrônicas e ao processo eleitoral”.
“As investigações da PF revelaram que o pronunciamento não era mero arroubo impensado e inconsequente. Já então, o grupo ao redor do presidente tinha traçado uma estratégia de atuação em prol do seu líder, incluindo um plano de fuga do país, se porventura lhe faltasse o apoio armado com que contavam”, aponta a PGR.
Entre as provas que a PRG afirma ter para comprovar que Bolsonaro tinha conhecimento e estimulava a proposta golpista está a cópia de um discurso que, supostamente, seria lido por Bolsonaro durante a consumação do golpe. O discurso foi encontrado na sala do ex-presidente na sede do PL e, para a PGR, reforça o domínio que este possuía sobre as ações da organização criminosa, especialmente sobre qual seria o desfecho dos planos traçados – a sua permanência autoritária no poder, mediante o uso da força”.
Uma segunda cópia do documento foi encontrada no aparelho celular de Mauro Cid, cujo depoimento à PF parece reforçar a tese da PGR. De acordo com a denúncia, o ex-ajudante de Ordens confirmou, por exemplo, que, em novembro de 2022, Bolsonaro e seu então assessor Filipe Garcia Martins Pereira discutiram a redação e posterior publicação de um decreto golpista, intervindo no inclusive no Poder Judiciário e decretando a realização de novas eleições.
“De acordo com o colaborador [Cid], Bolsonaro fez, adiante, ajustes na minuta, submetendo à prisão apenas o ministro Alexandre de Moraes [do STF] e se limitando à realização de novas eleições presidenciais. As informações prestadas pelo colaborador indicam que a primeira versão do documento foi submetida à apreciação de representantes das Forças Armadas, em reunião realizada no Palácio da Alvorada. Na ocasião, Bolsonaro apresentou a minuta ao [então comandante do Exército], general Freire Gomes, ao [então comandante da Marinha] almirante Almir Garnier Santos e ao [então] ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira”.
Em nota, a defesa do ex-presidente informou ter ficado “estarrecida e indignada com a denúncia” apresentada nesta terça-feira. Assinada pelo advogado Paulo Cunha Bueno, a nota afirma que Bolsonaro “jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”.
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